terça-feira, 17 de abril de 2018

ver no blogue FILOSOFIA COM CIÊNCIAS



recuperar a dimensão filosófica das ciências, suspensa por Kant

1. O texto que esté nesse blogue, na mesma data, foi redigido em resposta a um ‘call papers’ da Revista Portuguesa de Filosofia, da Faculdade de Filosofia de Braga, para um número sobre Filosofia e Ciência (recordo com gratidão que, em tempos de João Vila-Chã director, este me convidou para escrever um texto para o número sobre A herança de Heidegger, que está neste mesmo blogue). Aqui procurei expor com cuidado uma visão de conjunto da minha proposta fenomenológica. Os dois árbitros a quem ele foi submetido acharam o texto “confuso” e a revista recusou publicá-lo. Obviamente que a ‘confusão’ depende de, como o próprio título assinala na sua invulgaridade, se tratar dum novo paradigma, relevando da desconstrução pela gramatologia derridiana, e de os peritos, competentes no “paradigma normal” (Kuhn) – hoje em filosofia das ciências, maioritariamente ‘analítico’ – não compreenderem a argumentação. Sempre pensei que este par de árbitros é um mecanismo normalizador, evitando textos realmente inéditos, ‘revoluções paradigmáticas’.
2. Uma maneira de dizer a diferença de paradigmas: enquanto que, desde Platão, se argumenta sobre ‘categorias’, ‘essências’, ‘conceitos’, temas resultantes da definição, a gramatologia tem antes demais em conta o gesto de escrita que isolou esses temas, retirando-os do respectivo contexto, a saber, a operação de definição filosófica e o laboratório científico, gestos históricos da escrita dos textos que impõem fronteiras aos temas filosóficos e científicos que eles tratam, sobre os quais argumentam. É numa paisagem totalmente modificada que os gestos das várias ciências se dão a uma leitura filosófica que termina com a suspensão kantiana e permitem perceber, tendo em conta o contexto fora do laboratório, os duplos laços dos fenómenos de que elas se ocupam, entre fenómenos expostos e (não-)fenómenos, retirados. Mas há que acrescentar que nos dois casos, um de Biologia outro de Física, em que cientistas reagiram a textos meus, também não entenderam a argumentação. Como, por outro lado, não são legião os fenomenólogos gramatologistas conhecedores minimamente dos cinco paradigmas científicos e dada a minha provecta idade, não posso ter nenhuma esperança de reconhecimento desta proposta.
3. Exemplos de ‘gestos’ em filosofia: o ‘sei que nada sei’ socrático e a dúvida metódica cartesiana; com a definição, a instituição da Academia e do Liceu; a Physica como filosofia com ciências; o plurilinguismo helenista, donde o motivo do ‘signo’, abrindo uma brecha no ‘mesmo’ de Parménides, que tinha continuado em Platão e Aristóteles; a maneira como o platonismo se apoderou do discurso cristão em Orígenes; a teologia cristão levando no seu bojo a filosofia para a Europa; a recepção dela pelas universidades medievais; Aristóteles substitui Platão no tomismo; transformação nominalista; papel de Newton na critica de Kant; a redução husserliana e a doação com retiro heideggeriana; a questão da escrita posta à filosofia por um herdeiro de ambos, permitindo entender não apenas o que os pensadores ‘pensam’ (logocentrismo), mas também o que eles ‘fazem’ escrevendo historicamente (desconstrução). Neste mesmo blogue, o Manifesto é uma visão de conjunto da proposta.
4. A primeira vez que esta dificuldade se me apresentou institucionalmente foi na minha tese de doutoramento sobre a epistemologia da semântica saussuriana, editada pela Gulbenkian, que o arguente Vítor Manuel Aguiar e Silva, professor de Teoria da Literatura na Universidade do Minho, me disse ter sido “uma honra” tê-la arguido. Dito de forma sucinta, ela resolvia, com argumentação gramato­lógica, a discussão em torno do signo que dominou o estruturalismo nos anos 60 e que ficara sem solução: foi esta tese que despoletou esta “filosofia com ciências”. Ora, o filósofo e meu amigo Fernando Gil, que fez parte do júri, explicou ao prof. Lindley Cintra que o convidara que não conseguia argui-la porque não entendia a argumentação. Percebi que nunca poderia ter tido um júri de filósofos: com efeito, sou doutor em Linguística e não em Filosofia, em que apenas tenho como referencial académico o concurso para Professor Associado na Faculdade de Letras, departamento de Filosofia, onde ensinei Filosofia da linguagem durante 28 anos.

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