recuperar a dimensão filosófica
das ciências, suspensa por Kant
1. O texto que esté nesse blogue, na mesma data, foi redigido em resposta a um
‘call papers’ da Revista Portuguesa de Filosofia, da Faculdade de Filosofia de Braga, para um
número sobre Filosofia e Ciência (recordo com gratidão que, em tempos de João Vila-Chã director, este me
convidou para escrever um texto para o número sobre A herança de Heidegger, que está neste mesmo blogue). Aqui procurei
expor com cuidado uma visão de conjunto da minha proposta fenomenológica. Os
dois árbitros a quem ele foi submetido acharam o texto “confuso” e a revista
recusou publicá-lo. Obviamente que a ‘confusão’ depende de, como o próprio
título assinala na sua invulgaridade, se tratar dum novo paradigma, relevando
da desconstrução pela gramatologia derridiana, e de os peritos, competentes no
“paradigma normal” (Kuhn) – hoje em filosofia das ciências, maioritariamente
‘analítico’ – não compreenderem a argumentação. Sempre pensei que este par de
árbitros é um mecanismo normalizador, evitando textos realmente inéditos,
‘revoluções paradigmáticas’.
2. Uma maneira de dizer a diferença de
paradigmas: enquanto que, desde Platão, se argumenta sobre ‘categorias’,
‘essências’, ‘conceitos’, temas resultantes da definição, a gramatologia tem
antes demais em conta o gesto de escrita que isolou esses temas, retirando-os do respectivo contexto, a saber, a
operação de definição filosófica e o laboratório científico, gestos históricos da escrita dos textos que impõem fronteiras aos
temas filosóficos e científicos que eles tratam, sobre os quais argumentam. É
numa paisagem totalmente modificada que os gestos das várias ciências se dão a
uma leitura filosófica que termina com a suspensão kantiana e permitem
perceber, tendo em conta o contexto fora do laboratório, os duplos laços dos fenómenos de que elas se
ocupam, entre fenómenos expostos e (não-)fenómenos, retirados. Mas há que
acrescentar que nos dois casos, um de Biologia outro de Física, em que
cientistas reagiram a textos meus, também não entenderam a argumentação. Como,
por outro lado, não são legião os fenomenólogos gramatologistas conhecedores
minimamente dos cinco paradigmas científicos e dada a minha provecta idade, não
posso ter nenhuma esperança de reconhecimento desta proposta.
3. Exemplos de ‘gestos’ em filosofia: o ‘sei que
nada sei’ socrático e a dúvida metódica cartesiana; com a definição, a
instituição da Academia e do Liceu; a Physica como filosofia com ciências; o plurilinguismo helenista, donde o
motivo do ‘signo’, abrindo uma brecha no ‘mesmo’ de Parménides, que tinha
continuado em Platão e Aristóteles; a maneira como o platonismo se apoderou do
discurso cristão em Orígenes; a teologia cristão levando no seu bojo a
filosofia para a Europa; a recepção dela pelas universidades medievais;
Aristóteles substitui Platão no tomismo; transformação nominalista; papel de
Newton na critica de Kant; a redução husserliana e a doação com retiro heideggeriana;
a questão da escrita posta à filosofia por um herdeiro de ambos, permitindo entender
não apenas o que os pensadores ‘pensam’ (logocentrismo), mas também o que eles
‘fazem’ escrevendo historicamente (desconstrução). Neste mesmo blogue, o Manifesto
é uma visão de conjunto da proposta.
4. A primeira vez que esta dificuldade se me
apresentou institucionalmente foi na minha tese de doutoramento sobre a
epistemologia da semântica saussuriana, editada pela Gulbenkian, que o arguente
Vítor Manuel Aguiar e Silva, professor de Teoria da Literatura na Universidade
do Minho, me disse ter sido “uma honra” tê-la arguido. Dito de forma sucinta,
ela resolvia, com argumentação gramatológica, a discussão em torno do signo
que dominou o estruturalismo
nos anos 60 e que ficara sem solução: foi esta tese que despoletou esta
“filosofia com ciências”. Ora, o filósofo e meu
amigo Fernando Gil, que fez parte do júri, explicou ao prof. Lindley Cintra que
o convidara que não conseguia argui-la porque não entendia a argumentação.
Percebi que nunca poderia ter tido um júri de filósofos: com efeito, sou doutor
em Linguística e não em Filosofia, em que apenas tenho como referencial
académico o concurso para Professor Associado na Faculdade de Letras,
departamento de Filosofia, onde ensinei Filosofia da linguagem durante 28 anos.
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