1. A moeda foi inventada para a
troca, o capitalismo fez dela a moeda do seu lucro, desta dualidade padecemos
nas crises actuais: finanças que dão cabo das economias, lucro que dá cabo da
troca. Explicou Marx: vendo M1 que fabriquei por um preço em
dinheiro D com que posso comprar outra mercadoria M2 de cujo uso
preciso e que não fabrico. A esta forma antropológica da moeda, M1 –
D – M2, base duma sociedade de divisão do trabalho por troca entre
especialistas diferenciados, o capital sobrepôs estoutra do valor: D – M – D+dD
em que dD, representa o lucro do capital D investido, qualquer que seja o uso e
o trabalho de produção de M, em que apenas conta o tempo dessa produção. Se for
verdadeira a tese de que só o tempo de trabalho é que produz valor, a necessidade
de produção com trabalhadores que aumentem a sua produtividade joga em contradição
com o progresso tecnológico em que as máquinas, hoje computadores e robots,
substituem os trabalhadores: aumenta o desemprego e diminui o lucro. Desde
Reagan e Thatcher que o capital deslocou as suas fábricas para zonas de mão de
obra barata (e permitiu o desenvolvimento de imensas populações pobres) e desempregou
à farta nos países desenvolvidos, dedicando-se nestes à especulação financeira
sobre créditos futuros como as célebres subprimes: viver do futuro incerto só podia gerar crises.
Como explica o filósofo alemão Anselm Japp: “a
crise financeira actual é apenas um sintoma. A causa mais profunda da [crise]
que estamos a viver deve-se à incompatibilidade entre a lógica do valor [o
lucro] e o desenvolvimento tecnológico, causado precisamente pela lógica do
valor e a consequente queda da rentabilidade. Por outras palavras, há una
dificuldade extrema para utilizar o capital de modo proveitoso”[1].
2. Se for assim, a dificuldade de
investimentos de que se queixam os economistas não será passageira, nem
portanto a chegada do crescimento económico que todos, à direita como à
esquerda, põem como condição de saída da crise. Ainda bem que o desemprego está
diminuindo em Portugal, mas provavelmente serão empregos de hotel e de
restaurante enquanto o turismo nos bater à porta.
3. A questão filosófica é a do
sentido do trabalho e do lazer. Se as máquinas substituem os humanos, o
progresso que desde o século XVIII se anunciou como liberdade será justamente a
liberdade de trabalhar menos, de ter mais tempo livre. E, com a ajuda da questão climática e a urgência
de conseguir-se cada vez mais energia solar, eólica e hidráulica, o progresso
poderá ter aspectos de retrocesso para ser compatível com os limites do planeta
e da saúde dos humanos e dos animais. O filme AMANHÃ abria para este futuro,
mostrando gente já em marcha para uma liberdade, de modelo em parte antigo mas
renovado antropologicamente. Os indígenas de tribos que antropólogos como
Pierre Clastres descreveram economizavam trabalho: ao considerarem a vantagem
dos machados metálicos dos brancos, dez vezes mais eficazes do que os seus de
pedra, “desejaram-nos não para
produzir dez vezes mais no mesmo tempo, mas para produzir o mesmo num
tempo dez vezes mais curto” (La société contre l’État, p. 167). Tratados por preguiçosos pelos
Europeus, trabalhavam 3 ou 4 horas por dia em tribos em que houve medições do
tempo produtivo, passando ao menos metade do dia num ócio quase completo,
“primeiras sociedades do lazer e da abundância” (M. Sahlins).
4. A moeda de lucro é a mesma do que
a de troca, aquela abre falência quando perde a relação com esta. Não se a pode
eliminar, a abolição da propriedade privada pelas nacionalizações mostrou como
se perde dinamismo social e liberdade de expressão. Mas se as crises vieram
para manter o que os economistas chamam ‘estagnação’, se o PIB deixar de
crescer, o problema que se porá é o de a economia valorizar as formas de troca
e de poder de compra para toda a gente (talvez distribuindo os tempos de
trabalho nos sectores de grande desemprego). E também as actividades de solidariedade
em relação ao lazer se o tempo dele aumentar, para que os tempos livres não
sejam aborrecimento. Deslocamento, não revolução: que a economia ponha o acento
do progresso mais na moeda de troca (como se faz contendo a inflação) do que na
moeda de lucro (PIB como critério dominante). Abrir-se-á um mundo de
criatividade social e cultural indefinido.
[editado pelo Público on-line em31 de dezembro de 2016]
[editado pelo Público on-line em31 de dezembro de 2016]
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