quarta-feira, 22 de julho de 2015

Força e fraqueza da ciência económica à luz da crise grega



1. Raramente nos é dado um espectáculo tão nítido duma fractura das atitudes como a que houve face a esta crise, que não é simplesmente entre direita e esquerda nem de antagonismos étnicos anti-gregos e anti-alemães, mas que creio ser ilustrável por duas faces da ciência económico-financeira, tal como elas se manifestaram ao longo destes seis meses, que foram empolgantes nomeadamente por se tratar dum pais que, melhor ou pior, todos sabemos estar na origem da nossa civilização, como atestam as numerosas palavras gregas das nossas línguas modernas, música e mecânica, por exemplo, não apenas eruditas. O que me importa aqui é a economia enquanto ciência.

Pensar e conhecer implicam redução do contexto
2. A palavra ‘cão’ aplica-se a um pastor alemão e a um pelo de arame, a palavra ‘casa’ a uma mansão vitoriana e a uma habitação pré-construída de madeira. Estas palavras só podem funcionar por reduzirem as singularidades de cada coisa que nomeiam e designarem-nas por uma generalidade. A redução é uma operação essencial do pensamento ocidental, tal como foi inventada por Sócrates a definição, utilizada por Platão e abundantemente por Aristóteles em filosofia e lógica e nas suas ciências. Definir é reduzir o contexto singular da coisa definida, onde ela teve origem e sofre e opera efeitos diversos, para que, comparada com outras da mesma espécie, a respectiva essência possa ser argumentada intemporalmente, seja qual for o contexto.
3. O laboratório científico é filho da definição em suas teorias, a que acrescenta o labor operatório no conhecimento – mede movimentos; Galileu conta assim com o tempo (o que a geometria não fazia) e Newton com as forças da mecânica (que não tinha teoria). Mas só funciona reduzindo os contextos dos fenómenos que mede, donde que, em rigor, o novo conhecimento é válido dentro do laboratório, fora dele pode sempre haver, em contextos que não foram tidos em conta, os chamados “efeitos secundários” em farmácia e a poluição em geral. Limites duma ciência cuja fecundidade é óbvia.

O laboratório da economia: moeda e estatísticas
4. Vamos então à economia enquanto ciência. Antes de indagarmos do seu laboratório, como é que ela opera a redução que a torna científica, sobre quê? É a moeda que reduz tudo o que se joga no mercado a custos e preços, com os quais se fazem as contas aritméticas que dizem lucros e prejuízos. Das mercadorias guardam-se as quantidades que multiplicam preços unitários, todos os outros intervenientes, mormente salários, são reduzidos a números de euros ou dólares, para que as contas se façam: tal como em física (mas aí com dimensões variadas e técnicas de medida que permitem tecnologias), essa redução que permite fazer contas é a grande vantagem dos números, a força da economia enquanto ciência, as quantidades em vez das qualidades reduzidas (estas exigem palavras e frases para serem tidas em conta, é muito mais complicado).
5. Quanto ao laboratório, ele é constituído essencialmente pelas estatísticas aonde se vão buscar os números para fazer as contas, as teorias e as discussões consistindo em guias de escolha dos números que importam para o problema de que o economista se ocupa: é aonde a incerteza é irredutível entre teorias (a favor ou contra o capital, posições políticas escondidas). O que é que fica de fora desse laboratório? Toda a sociedade além do sector a que os números se referem, sendo que mesmo esse sector não é apenas mercado e que o que não o é mas tem efeitos nele e dele recebe efeitos não é tido em conta, não o pode ser, qualquer que seja a opinião ou atitude politica do investigador (que jogam nas escolhas dos números, claro). Um exemplo: se tal política económica pode prever os limites do aumento do desemprego que será consequência da sua aplicação, não pode todavia saber, por ela mesma, se haverá ou não em consequência uma explosão social, ou algo semelhante, que possa pôr em causa o aspecto económico que essa política visava regular. O economista japonês T. Sakaiya (Japão. As duas faces do gigante) mostrava como as “leis económicas" ocidentais não produziam no Japão os mesmos efeitos que no Ocidente.

Economia com politica
6. Não há actualmente nenhuma ciência global das sociedades e o grande problema neste aspecto é que a economia, que é apenas a ciência dos mercados, se coloca como a ciência global, a única que há. Ora, o que mostrou esta crise de forma flagrante, não foi tanto os engravatados contra os sem gravata, mas por um lado aqueles para quem a economia é a ciência global de que não conseguem ver o que lhe sobra e por outro, em face, aqueles para quem há mundos sociais e políticos além das finanças - economia. A crise é financeira, por certo, os números são essenciais mas não podem ser só eles a decidirem do contexto; já basta que não haja instância política que controle as finanças desreguladas, nenhum Estado da União Europeia nem nenhum órgão desta. Schaüble é um homem antipático, o seu handicap deve torná-lo mais feroz, a mostrar do que é capaz, mas não é ele o problema: o problema é o paradigma económico que o possui e aos outros dos 18 a 1 do Eurogrupo (F. do Amaral), é o mal chamado ‘pensamento único’, porque se é único não é pensamento, é clausura laboratorial. Para os 18, a Grécia estava reduzida, não ouviram o ‘não!’ do referendo: é o que melhor exibe a fraqueza da economia. Seja Keynes ou outra coisa adequada a estes tempos globais, economia politica deverá ser economia que se articule com a dimensão politica, tarefa constante dos Estados e das autarquias. Tarefa de ciência social, incluindo a economia. 

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