domingo, 16 de novembro de 2014

Medicinas em confronto


 1. Boa coisa é que as diferentes medicinas sejam chamadas a confrontarem-se. Não vem à cabeça de ninguém com bom senso pôr em questão a cientificidade da medicina bioquímica que se desenvolveu na segunda metade do século passado, a partir da biologia molecular. Mas é inegável a existência dum certo mal estar difuso em relação a ela, que se manifesta na queixa frequente de haver especialização a mais, médicos que só sabem deste ou daquele órgão, de não haver mais os clínicos de diagnóstico apurado que dantes eram capazes de atentar em sintomas mais generalizados e de os tratar; fossem raros talvez, que se os reclame é sintoma de carência duma medicina que multiplicou os métodos de diagnóstico mas nem sempre parece saber usá-los adequadamente. Igual manifestação deste mal estar é a proliferação das medicinas ditas alternativas, minoritárias é certo, mas disputando clientela à medicina oficial. É entre estas várias opções que há no terreno da clínica um confronto crescente, sem que haja contudo, em questões de saúde, um critério de discernimento entre as várias terapias que não seja o que passa de boca em ouvido, o da eficácia conseguida em tal ou tal situação com tal ou tal terapeuta.
2. Que antes destas medicinas vindas de outros horizontes do que o da medicina que se conhece como a da ‘ciência’ ocidental, tenha evocado os clínicos ocidentais de antanho, significa que também a medicina anterior à da especialização molecular pode fazer parte do confronto a evocar aqui, no sentido de ela depender de um outro paradigma que pode ajudar à compreensão. Creio que não é necessário ser historiador da medicina para se pensar que esse paradigma se estruturava em torno da consideração mais ou menos minuciosa da anatomia humana e que não se focava em tal ou tal órgão de maneira a isolá-lo do conjunto, ou pelo menos dos órgãos afins, mais conectados com o que pudesse parecer a fonte principal do sintoma.
3. Se é certo que não sou leitor de livros de medicina, acontece todavia que utilizei uma bibliografia de alguns volumes de biologia e neurologia moleculares com outros textos doutras ciências (antropologia, linguística, psicanálise, física e química), na tentativa de cumular as lacunas científicas e filosóficas da tradição fenomenológica, as carências do sujeito e da consciência em termos de corpo biológico, sociedade, linguagem, sexualidade e sua restrição pela lei tribal. Ora, para meu grande espanto, os vários livros de biologia e neurologia que li e em que tanto aprendi ignoravam, todos, qualquer referência à anatomia, incorrendo no que diagnostiquei como um preconceito filosófico – também encontrado nas outras ciências, excepto na linguística estrutural (que foi a minha ciência base de abordagem, aliás) – que consiste no privilégio da ‘substancialidade’ interna sobre a cena exterior donde todavia procede a ‘substância’[1]. Ou seja, o raciocínio predominante nesses textos de biologia passava da determinação dos genes para o conjunto do organismo sem a mediação da anatomia, feita em todos os animais para comerem, caçarem sem serem caçados. Ora, julgo ter compreendido nesses livros que o alcance dos genes, retirados no núcleo da célula, se limita, com as que vêm do sangue, à síntese das moléculas estruturais da célula, mais complexas, havendo aí razões para doenças específicas por mutações.
4. Remetendo-me à minha ignorância de leigo, a questão que ponho aos médicos é a de saber se não poderá haver factores determinantes de muitas doenças que não sejam apenas do foro das moléculas celulares, mas relevem também de correlações anatómicas variadas. Com efeito, é o que sugere a medicina chinesa que há muitos séculos determinou os meridianos que as agulhas da acupunctura seguem, assinalando correspondências energéticas que os nossos laboratórios não parecem saber confirmar, assim como não sabem verificar as razões das curas que assim se realizam. A terapia de Bowen, seguindo aparentemente as indicações desses meridianos, prescinde das agulhas para conseguir curas com gestos das mãos em vários lugares da anatomia. Quanto à homeopatia, que desafia a bioquímica ao usar diluições ínfimas de substâncias, com o sucesso que Paulo Varela Gomes testemunhou no Público (08/11) – que bom ele estar vivo! não termos ficado mais pobres –, pode-se perguntar se o seu segredo, que os laboratórios parecem impotentes para compreender (controvérsia de J. Benveniste nos anos 80), não relevará do princípio mesmo das vacinas de Pasteur, descoberto antes deste, já que pretendem os seus cultores que "o tratamento se dá a partir da diluição e dinamização da mesma substância que produz o sintoma num indivíduo saudável" (web). Igualmente a questão do placebo incita no sentido de indagar das correlações entre o sistema neuronal que controla uma parte do jogo hormonal que equilibra o sangue e a anatomia dos vários órgãos que este alimenta, desde que se tenha em conta o motivo de mente tal como A. Damásio o expõe em O livro da consciência, a saber a face por assim dizer interna dos neurónios a que só o próprio tem acesso: pensar que passe por aí a razão do que se chamam doenças psico-somáticas, o jogo electroquímico dos neurónios sendo ‘saber mental’ que, do ponto de vista dos médicos, seria ignorância, placebo, sugestão.
5. Antes de qualquer discussão sobre virtudes curativas, o confronto é entre uma medicina de tendência localizada (com riscos por vezes de efeitos secundários noutros locais não testados em laboratório) e medicinas globalizadas anatomicamente.

Publicado pelo Público em 16 de Novembro 2014
Em eco ao texto dum físico sobre “a ciência diluída” que seria a homeopatia (6 / 11), com resposta digníssima de Paulo Varela Gomes a 8, contrapondo a um diagnóstico de cancro com 4 meses de vida os 2 anos e meio fecundos que desde então viveu com tratamento homeopático



[1] http://filosofiamaisciencias2.blogspot.pt/2012/12/no-paradigma-da-biologia-falta-o-ser-no.htm

sábado, 15 de novembro de 2014

O tempo (Zé Maria)


[o texto O tempo existencial foi despoletado por uma conversa sobre a noção de 'presente' com o Zé Maria, meu filho, que por sua vez escreveu o que segue]
Conversa comum deu dois textos muito diferentes. Não fosse o interlocutor dotado de arte filosófica, vejam: http://filosofiamaisciencias2.blogspot.pt/2014/11/o-tempo-existencial.html
Durante muito tempo pensei / pensava que o presente era instantâneo: era rápido e o tempo presente já tinha passado.
 No entanto, ontem um sábio explicou que ‘esse’ é um defeito atual, vê inovar como um escape do novo ao antigo, que não faz sentido pensar só neste momento, só no agora, neste segundo só, como presente.
 Há um passado a preservar, não pensemos que chegamos agora, hoje e mudamos todo o passado, TUDO, para futuro melhor; conservador? Talvez pós moderno…
Ele muda de pessoa para pessoa e às vezes a mesma pessoa tem vários presentes, mais rápidos e mais lentos. Lá vai o meu presente número um em velocidade ultrapassando o meu presente actual, vrumm… O meu presente actual começou quando comecei este texto. Não passou à medida que fui escrevendo. Temos vários presentes, alguns passados e um único futuro.
O meu presente, não é isto, o meu tempo foi invadido de comida pelo almoço. Esta questão já vem sendo pensada mas não escrita desde ontem (em 12.11) na conversa com o sábio que também vai escrever sobre este assunto.
Enquanto se escreve um mesmo texto estamos sempre num mesmo tempo, num presente!? Não, um texto pode demorar anos a ser escrito e as ideias mudam.
As ideias mudam consoante são escritas, escrever ajuda a pensar melhor. Por isso encontras por vezes, escritores que adoras e ao vivo são só isto? Pensava que eu eras feito doutra massa qualquer, tipo oiro ou assim, mas não, és banal como todos nós.
Fazer durar o tempo é uma virtude, o tempo sempre a mudar com pessoas e ideias novas não me parece grande qualidade, ‘estamos a inovar!’, diz-se / escreve–se por aí como se fosse uma grande qualidade do ser moderno: se se mantém, é porque agrada. Mudar / inovar é porque não se está contente.
A moda estar sempre a mudar em todas as estações não me parece muito sustentável, nunca se chega a uma roupa que continue a ser elegante, bonita, que ultrapasse os tempos.
Vários tempos, vários espaços, espaço e tempo vivem associados: mudas de espaço, mudas de tempo: a história de vida muda; o contrário não é obrigatório: passamos a maior parte do tempo no mesmo espaço. O espaço pode mudar muito ao longo do tempo: gente

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

O Tempo existencial




1. Desde Ser e Tempo (1927) até Tempo e Ser (1962) que Heidegger se bateu para compreender o tempo do Da-sein existencial, do ser no mundo em seus cuidados que responde ao apelo do Ser, antecipando a morte para melhor se entender como finitude e aos seus afins em 27, em 62 indagando do nascimento que o Ereignis dá como ser e tempo, fazê-lo vir à presença para deixá-lo ser o seu tempo. Batia-se assim contra a concepção linear de tempo, sucessão de instantes – os já passados e os por passar –, deixando ao ‘presente’ o que etimologicamente é ‘sem estância’ entre o que passou e o que ainda não. É esta a concepção dos relógios e parece ser a de toda a gente: assim um ‘instantâneo’ é dito na gíria cinematográfica um paralítico, sem tempo já que sem movimento.
2. ‘Se este instante agora já passou entre passado e presente’, onde está o presente? Vários instantes são necessários para dizer esta frase no presente dum locutor, o sentido dela, de qualquer das suas palavras, só se atinge entre o seu começo e o seu final, sem coincidir nem com o primeiro nem com o último instante nem com nenhum outro intermédio: o seu tempo é o do breve ‘acontecimento’ que é o da sua enunciação, não apenas a linearidade espacial do seu dizer sucessivo dos fonemas (ou letras) mas a complexidade das retenções dos fonemas e palavras já ditas e dos adiamentos dos ainda por dizer, como sugere a lição de Derrida; só sei o sentido da primeira palavra depois de ouvir a última, já que só o jogo integral das diferenças entre elas  – diferenças fonológicas como sintácticas e semânticas, descoberta prodigiosa de Saussure –, só esse jogo diz o sentido da frase, o de cada palavra não se dissociando do da frase, este não estando em nenhuma das suas palavras mas em todas. Se o presente não é o instante, é o quê?
3. Se pegarmos na palavra ‘passado’, ela diz o caminhado dos passos, um passo implica um pé retido atrás enquanto outro avança, o qual é retido por sua vez quando por ele passa o outro, há assim uma oscilação entre retido e diferido que diz respeito a ambos os pés, cada um em vez do outro. Ora, ‘vez’ significa ‘acontecimento’, ambos os termos são temporais, podendo aliás substituírem-se (‘uma vez, aconteceu-me que...’) ou, no caso dos passos, a sucessão de vezes retidas – diferidas de ambos os pés fazer um acontecimento, mas que não é linear, embora pareça.
4. Outras palavras que usamos para dizer os tempos existenciais, ‘agora’ como presente do que fala (Benveniste), ‘momento’ como relato desse ‘agora’ num tempo posterior, também têm esta elasticidade de dizerem partes dum tempo maior, os vários ‘momentos’ duma festa ou duma conversa, dum amor ou dum acidente, do que se recordará como um bom ou mau momento, os seus ‘agoras’ adentro do ‘agora’ maior que se prolonga enquanto se está num presente que se sabe como unidade temporal (‘devias ter falado nisso ainda agora, enquanto estávamos todos presentes’). Será a esta maneira de juntar sucessos temporais numa unidade temporal adequada que corresponde o motivo de ‘acontecimento’, que se conta justamente como ‘um’, cortado melhor ou pior do que o antecedeu e lhe sucedeu.
5. Os gestos que aprendemos, variados e apropriados a tal ou tal uso da nossa tribo, que se repetem e interrompem numa refeição ... colherada de sopa de pedra, garfada de peixe assado, beber um golo de vinho, prato posto para o lado .. mais a conversa que flui ao mesmo tempo – retém-se o já dito para lhe responder e pedir assim outra resposta que faça avançar as coisas, banais ou vivas – entre retenções e avanços, tudo sendo repetições (aprendidas) e suas variações que fazem o sentido do que, em torno da mesa, entre vários acontece, unidade antropológica que se prolonga na digestão de cada um de forma autónoma, a esta ou àquele podendo suceder uma maleita que aos outros não. Repetir e alternar, reter e avançar sem voltar atrás, será assim o tempo do acontecimento que nos relaciona uns com os outros, próximos e rivais.
6. Não sou exegeta de Heidegger, até porque nunca consegui entender o que no texto de 1962, Tempo e Ser, ele analisou em relação à porreção do tempo dado pelo Ereignis. Antes, ele propusera que o Ser (nada, não ente) dá o ente à presença, retendo a doação. Agora, este termo alemão, significando habitualmente ‘acontecimento’, substitui o Ser e é ele que dá ser e tempo ao ente, o que implica que o que ele dá retendo a doação é justamente acontecimentos ônticos! O acontecimento é a maneira do tempo existencial. E então é o único tempo que existe: só há acontecimentos. Repetir é fazer outra vez: oscilação entre o grau zero do acontecimento que é a rotina pura e o acontecimento mais ou menos complexo. Com efeito, acontecimento implica mais do que um, ainda que seja uma inspiração que se tem mentalmente, nas associações de ideias nenhum de nós é só: tudo quanto é dado – nascer, comer, aprender, amar – vem sempre de outrem e é sempre com outrem que somos, mesmo se eremitas de feitio.
7. E o instante não-estante? Um segundo, um minuto, e por aí fora? Não se trata de paradoxos, mas de confusão de coisas diferentes. O tempo existencial, que não é apenas dos humanos, também o dos cães que conseguem escapar ao canil e dos gatos que são operados a um fémur atropelado, é o tempo do movimento, é a este que chamamos acontecimento para o fazer ressaltar de outros que não merecem  que se fale deles na altura (falar é sempre escolher o que dizer e deixar o resto de fora, o ‘tudo’ é indizível, somos sempre elípticos). Os segundos e minutos são o tempo da medida dos tempos. Mas medir um tempo – oito horas, é tempo de jantar – é também um acontecimento, um entre dois tempos, um em que se está e outro em que já não ou ainda não, ‘já’ e ‘ainda’ também são temporais. Mas não se pode medir directamente, não se pode sair do tempo, um relógio é muito útil para essas medições, tal como o nascer e o pôr do sol: a alternância dia e noite é o mais antigo relógio dos terrestres.
8. Mas porquê ser e tempo e não movimento ? Para Aristóteles parece claro que as duas grandes facetas do pensamento, a da Physica e a da Metaphysica, são o movimento como primeira abordagem (onde trata do tempo) e o ser como abordagem seguinte, meta-. Então Heidegger ter-se-á enganado com Ser e Tempo até Tempo e Ser? Ou era o caminho necessário, antes de chegar à grande questão da viragem do pensamento, aquele que resultou da história de sociedades em que a energia dominante é da ordem da biologia, da phusis, para aquele em que está a ser da ordem da technê? Ora, o motivo do movimento (da Physica), ao contrário do do tempo, contém os da energia e da força (da Física). Foi aonde Heidegger chegou, ao contraste entre as sociedades em que a phusis era Gestellung e as do Ge-stell, entre as sociedades da fecundidade e as da produtividade.

domingo, 2 de novembro de 2014

A leitura da Bíblia como parte de uma praxis política


Thomas Staubli (org.), Wer knackt den Code ? Meilensteine der Bibelforschung. 50 Porträts, Patmos, 2009, Dusseldorf
[Quem é capaz de decifrar o código ? Grandes marcos da investigação bíblica. 50 retratos)
[Qui peut déchiffrer le code? Grandes pierres de la recherche biblique]

O título deve ser uma alusão ao Código Da Vinci, trata-se duma maneira de exegetas universitários alemães e suiços tomarem posição sobre como ler a Bíblia num texto de divulgação para o grande público. Abre com um texto de Thomas Staubli de 30 páginas que recapitula 2 séculos de investigação bíblica, o qual, coadjuvado por mais 6 investigadores, apresenta em seguida, em duas páginas cada, 50 obras significativas desse percurso, na esmagadora maioria de língua alemã. É claro que se encontram lá todos os grandes, Wellhausen, Gunkel, Buber, Bultmann, Barth, von Rad, de Vaux, Aland, etc.
Ora, entre eles, nas pp. 106-7, figura a minha Lecture matérialiste de l’évangile de Marc, Récit, pratique, idéologie, Cerf, 1974, traduzida em espanhol, alemão e inglês (NY), o que, 35 anos após a sua publicação, me dá mais contentamento do que qualquer prémio ou medalha, já que se trata de exegetas alemães actuais (todos nascidos, excepto um, entre 1958 e 1977) que avaliam as inovações surgidas na sua disciplina no século XX. É uma honra incrível aparecer o meu livro publicado 35 anos antes entre estes grandes exegeta, a maioria de língua alemã, Wellhausen, Buber, Bultmann, K. Barth, von Rad…


TRADUZINDO:

Fernando Belo (n. 1933) “C/X – A leitura da Bíblia como parte de uma praxis política

Será que a crença cristã, tal como resulta da Bíblia, é uma ideologia que contraria uma prática política libertadora? Que textos é que nos impedem a descoberta do Evangelho dos Pobres?

“C by X" – foi este o programa provocador de Fernando Belo: o Evangelho de Marcos (francês Marc) pode ser lido conforme Marx! Abrem-se, desta forma e completamente, novos horizontes e interrogações!

Uma leitura da bíblia baseada em Karl Marx parece, à primeira vista, bastante paradoxal.
Só que Belo apoia a sua abordagem não só em Marx, mas também no estruturalismo francês e na psicanálise. O seu livro reflecte a singular situação de uma Europa em novo começo, determinado pelas transformações fundamentais do Concílio Vaticano II, do advento da Teologia da  Libertação, da Conferência Mundial sobre Igreja e Sociedade (Genebra 1966), da decisão do Concelho Mundial das Igrejas de lançar, em 1969, um programa contra o racismo, ao mesmo tempo que acontece a rebelião estudantil de 1968, com o aparecimento das suas esperanças utópicas e sociais.

Os anos 60 foram, na Europa, uma década de desenvolvimento tenso, que conduziu a que as injustiças sociais, económicas, políticas e as do racismo fossem empurradas para a agenda das igrejas. Neste contexto, e na Europa Ocidental, desenvolveram-se novas formas de ler a Bíblia, que se designaram por “concretismo”, “política”, “sócio-histórica”, “não-idealista” ou “materialista”.

Belo adoptou a designação “leitura materialista”, que significa, em primeira linha, o contrário de “idealista” ou seja: uma leitura  não individualista, não abstracta, não transcendente, mas que resulta da interpretação compreensiva resultante da realidade vivida através das estruturas económicas, políticas e sociais e das lutas contra a opressão, exploração, discriminação, etc.

Enquanto que a sua leitura encontrou grande aceitação na Europa, praticamente não deu passos no espaço dos EUA: “no geral, o estudo bíblico ficou prisioneiro das preocupações privadas e medos dos cristãos – enquanto que o nosso mundo pende de uma cruz imperialista, de violência e de exploração” (Ched Myers, 1988).

Fernando Belo nasceu em Lisboa, em 1933. O seu grande interesse por questões sociais, levou-o a licenciar-se em engenharia civil e à leitura de Karl Marx. Em 1968 concluiu os seus estudos de Teologia Católica numa Paris abalada pela luta estudantil. O seu interesse pela reforma social, pelo marxismo, pelas utopias sociais e pela renovação teológica fez com que os combinasse através dos métodos estruturalistas da análise dos códigos de linguagem, desenvolvendo, assim, uma nova abordagem dos textos bíblicos. O seu importante comentário ao evangelho de Marcos, “Leitura materialista do Evangelho de  Marcos” foi publicado em 1974. A obra foi traduzida em espanhol, alemão e inglês. Em 1977, Belo recebeu o doutoramento “honoris causa” pelo “Instituto Protestante”, em Paris.

Depois do golpe de esquerda (a “Revolução dos Cravos”), que propiciou, após os tempos da ditadura, a lenta abertura do país, o ex-padre, já casado, regressou a Portugal, vindo do seu exílio francês. Até se jubilar, ensinou, como professor, Filosofia da linguagem na Universidade de Lisboa.


Fernando Belo, Leitura materialista do Evangelho de S. Marcos, Stutgart 1980
Ched Myers, Binding the Strong Man. A Political Reading of Mark’s Story of Jesus. New York 1988

Thomas Staubli (Herausgeber), Wer knackt den Code? Meilensteine der Bibelforschung 50 Porträts, Patmos, 2009, Dusseldorf eilen

[Quem é capaz de decifrar o código ? Grandes marcos da investigação bíblica. 50 retratos]ste

(Qui (())ine der Bibelforschung

Inholt

Vorwort 9
Einleitung 11
Meilensteine der Bibelforschung - 50 Porträts 41
1 Wilhelm Martin Leberecht de Wette
Ahnvater der historischen Bibelforschung 43
2 Julius Wellhausen
Der Bahnbrecher 45
3 Bernhard Duhm
Vom Beginn der geistigen Weltgeschichte 47
4 Gustaf Dahnan
Pionier der biblischen Ethnoarchäologie 49
5 Hermann Gunkel
Mitgründer der Religionsgeschichtlichen Schule 51
6 Leonhard Ragaz
Pionier der kontextuellen Bibeldeutung 54
7 Martin Buber
Religionsphilosoph, Linkszionist und genialer Bibelübersetzer 56
8 Hedwig Jahnow
Frauenpionierin in der alttestamentlichen Wissenschaft 58
9 Albrecht Alt
Der Gott der Väter 60
10 Rudolf Bultmann
Entmythologisierung des Neuen Testaments
und Christusverkündigung 62
11 Sigmund Mowinckel
Altorientalischer Kult als Sinnhorizont für biblische Texte 65
12 Karl Barth
Römerbrief-Kommentar und dialektische
Theologie 67
Bibliografische Informationen
http://d-nb.info/991116208 digitalisiert durch
13 Yehezkel Kaufmann
Der erste jüdische, historisch-kritische Bibelwissenschaftler 69
14 William Foxwell Albright
Prägende Gestalt der Bibelarchäologie 71
15 Gerhard von Rad
Theologisches Reden vom Alten Testament
als Nacherzählung 73
16 Martin Noth
Amphiktyonie und Deuteronomistisches Geschichtswerk 76
17 Roland Guérin de Vaux
Der Entdecker von Qumran 78
18 Hans Walter Wolff
Prophétie und Protest 80
19 Kurt Aland
Wie lautet der ursprüngliche Text des Neuen Testaments? 82
20 Herbert Haag
Mit der Bibel den Katholizismus reformieren 84
21 David Flusser
Bedeutendster jüdischer Jesusforscher und
unentbehrlicher Vermittler zwischen den Religionen 87
22 Dominique Barthélémy
Revolutionär der Textkritik 89
23 Krister Stendahl
Paulus und das gute Gewissen 91
24 Brevard S. Childs
Der Kanon als Schlüssel zum Verständnis der Bibel 93
25 Jacob Milgrom
Virtuoser Deuter der biblischen Ritualgesetze 95
26 James Barr
Intelligent glauben 98
27 Martin Hengel
Judentum und Hellenismus 100
28 Oswald Loretz
Ugarit und die Bibel 102
29 Carlos Mesters
Das Leben und die Bibel 104
30 Fernando Belo
»C/X« - Bibellektüre als Teil einer politischen Praxis
31 Luise Schottroff
Sozialgeschichte im Dienst der Befreiung
32 OthmarKeel
Bildforscher unter Textforschern
33 Hans Heinrich Schmid
Weisheit, Gerechtigkeit,
Pentateuch und - die Zürcher Universität
34 David J. A. Clines
Von rechts nach links und von links nach
rechts lesen
35 Frank Crüsemann
Sensibilität für gesellschaftliche Prozesse
36 Ulrich Luz
Das Matthäusevangelium und
seine Wirkungsgeschichte
37 Elisabeth Schüssler Fiorenza
Die Macht des Wortes erforschen
38 Adrian Schenker
Geist und Buchstabe
39 Erich Zenger
Pentateuch- und Psalmenforscher, Advokat des
jüdisch-christlichen Dialogs
40 Eugen Drewermann
Tiefenpsychologie und Exegese
41 Helen Schüngel-Straumann
Feministische Exegetin der ersten Stunde
AI Athalya Brenner
Ohren für weibliche Stimmen in der Bibel
43 Gerd Theißen
Jesusbewegung und Sozialgeschichte
44 Max Küchler
Religion und Politik in der Landschaft
45 Erhard Blum
Kompositionen statt Quellen
46 Bernadette Brooten
Junia — hervorragend unter den Aposteln 142
47 Marie-Theres Wacker
Lehrerin der Unterscheidung von Geistern 144
48 Adele Reinhartz
Jüdische Neutestamentlerin im Dienste der eigenen Tradition 146
49 Renita Weems
Afrikanisch-amerikanische Bibelauslegung 148
50 Martti Nissinen
Prophétie als Phänomen der ostmediterranen Kultur 150
Personenverzeichnis 153
Literaturhinweis 156
Autorinnen und Autoren 157
Bildnachweis 158







Sutter Rehmann, Luzia: Beitag zu Fernando Belo, in: Staubli, Thomas (Hg.): Wer knackt den Code? Meilensteine der Bibelforschung, Düsseldorf 2009, S. 106-107.W

Fernando Belo (geboren 1933): „C/X“ – Bibellektüre als Teil einer politischen Praxis




Ist christlicher Glaube, wie er in der Bibel ausgedrückt ist, eine Ideologie, die der befreienden politischen Praxis widerspricht? Welche Lesegewohnheiten hindern uns daran, das Evangelium der Armen zu entdecken? 

„C durch X“– so lautete  das provozierende Programm von Fernando Belo:  das Evangelium des Markus (franz. Marc) konnte nach Marx gelesen werden! Damit eröffneten sich völlig neue Horizonte und Fragestellungen. 

Eine auf Karl Marx basierende Bibellektüre scheint auf den ersten Blick ziemlich paradox. 
Doch Belo schulte seinen Blick nicht nur bei Marx, sondern auch am französischen Strukturalismus und an der Psychoanalyse. Sein Buch reflektiert die einzigartige Situation in einem Europa des Aufbruchs, als fundamentale Transformationen mit dem zweiten vatikanischen Konzil, dem Auftauchen der Befreiungstheologien, der Weltkonferenz von Kirche und Gesellschaft in Genf 1966, der Entscheidung des Weltkirchenrates, ein Programm gegen den Rassismus 1969 zu lancieren, neben den Studentenrebellionen der 68er und ihren utopischen und sozialen Hoffnungen nahe schienen. 

Die 60er Jahre waren in Europa eine Dekade von spannenden Entwicklungen, die dazu geführt hatten, dass soziale, ökonomische, politische und rassistische Ungerechtigkeit auf die theologische Agenda der Kirchen gerückt waren. In diesem Kontext entwickelten sich neue Arten der Bibellektüre in Westeuropa. Sie nannten sich, ‚konkret’, ‚politisch’, ‚sozialgeschichtlich’, ‚nicht-idealistisch’ oder ‚materialistisch’. 

Die Bezeichnung ‚materialistische Lektüre’ wurde von Belo eingeführt und bedeutete in erster Linie das Gegenteil von ‚idealistisch’, also eine nicht-individualistische, nicht-abstrakte, nicht-jenseitige Lektüre, die die Lebenswirklichkeit, wie sie von ökonomischen, politischen Strukturen, von sozialen Kämpfen gegen Unterdrückung, Ausbeutung, Diskriminierung etc. geprägt ist, in eine Interpretation miteinbezieht.

Während seine ‚Lektüre’ weite Akzeptanz in Europa fand, fasste sie in US-amerikanischem Raum kaum Fuss: „Insgesamt bleibt das Bibelstudium unter Christen privaten Sorgen und Ängsten verhaftet – während unsere Welt an einem imperialistischen Kreuz von Gewalt und Ausbeutung hängt.“ (Ched Myers, 1988)

Fernando Belo wurde 1933 in Lissabon geboren. Sein grosses Interesse an gesellschaftlichen Fragen führte ihn zum licence d’ingénieur civil und zur Lektüre von Karl Marx. 1968 schloss er sein Studium der katholischen Theologie in einem von Studentenunruhen geschüttelten Paris ab. Sein Interesse an Gesellschaftsumbau, Marxismus, Sozialutopien und Erneuerung der Theologie verknüpfte er mit strukturalistischen Methoden der Textcodierung und entwickelte so einen neuen Zugang zu biblischen Texte. Seinen gewichtigen Kommentar zum Markusevangelium: „Lecture matérialiste de l’ évangile de Marc“ piblizierte er 1974. Das Werk wurde in Spanisch, Deutsch und Englisch übersetzt. 1977 erhielt Belo die Ehrendoktorwürde vom Institut de Théologie Protestante in Paris. 

Nach dem Linksputsch (der „Karnations-Revolution“) kehrte der verheiratete Ex-Priester aus seinem französischen Exil in seine Heimat nach Portugal zurück, als das Land sich nach der Diktatorenzeit langsam zu öffnen begann. Bis zu seiner Emeritierung (2003) lehrte er an der Universität Lissabon als Professor für Sprachphilosophie.