1. O livro de Nicholas Carr, Os Superficiais. O
que a Internet está a fazer aos nossos cérebros, Gradiva, é o diagnóstico
autobiográfico duma mutação de civilização. Como diz André Belo, “é um ensaio que denuncia
as consequências negativas para a memória e o cérebro humanos da exposição
excessiva, no trabalho intelectual, à Web e a tudo o que nos liga à Internet
via computador, telemóvel, leitor de livro digital ou tablet. Elas traduzem-se, segundo o
autor, na tendência para a dificuldade de concentração, na dispersão mental e
no enraizamento do 'multitasking' como hábito intelectual. Essas consequências
dão o título ao livro: superficial (shallow) é a leitura e a memória que
resulta da hegemonia crescente da grande rede mundial de computadores na nossa
maneira de trabalhar com o cérebro”. Destinado a quem acontece regularmente
“usar uma técnica de leitura dos textos que consiste em fazer uma espécie de scan
da página com os
olhos, percorrendo rapidamente só as duas ou três primeiras linhas de texto,
para descer ao parágrafo abaixo e fazer o mesmo travelling da esquerda para a direita para
ver qual é o assunto seguinte, voltar a descer verticalmente ao longo da
página, desenhando com os olhos um movimento parecido com um 'F', a quem de um
modo geral, tem dificuldade em fechar o navegador, o FaceBook, o Messenger ou o email para se concentrar enfim no tal
trabalho inadiável ou se ainda, em momentos de maior alienação, clica num link, aterra num site, e pergunta-se: "mas de que
raio estava eu à procura antes de vir parar aqui?”.
2. Muito interessante. O que se diz da Internet
vale também da alternativa entre ler livros ou revistas especializadas e
jornais, entre ler jornais de referência com comentadores qualificados e só ver
telejornais. Dizia René Thom, matemático da teoria das catástrofes, sobre a sua
maneira de trabalhar que precisava de cerca de 4 horas para entrar na sua
matéria, mas conseguido isso, nada o podia já distrair. É o outro extremo do
internetista segundo Carr. Como escreve ainda A. Belo, “é nesta contraposição
cognitiva entre a leitura linear induzida pelos livros e a leitura
constantemente interrompida da Internet que o livro de N. Carr é
particularmente persuasivo”.
3. O Expresso dedicou uma coluna de recensão ao
livro (15/12/12), bastante ‘superficial’, no sentido do título, e cortou uma
parte importante da carta que lhe enviei (22/12) a que, já agora que não tenho
constrangimentos de espaço, acrescento uns pontos. Mutação de civilização, a da crise do livro que tanto
tem sido falada, crise que como que encerra a época do humanismo: este, como salientava
Sloterdijk, resultou de vários séculos de leitores, entre o XVI e o XX, guiarem
os caminhos dos Europeus para a liberdade, a finitude, a cidadania, até se
chegar à democracia. Foram sempre minoritários, é certo; os livros de
pensamento que deveras contaram nesses tempos, poucos os liam, mas
transmitiam-nos a uma população mais geral, duma maneira ou outra, e nomeadamente
instituíram esse saber nas escolas. O que será a novidade hoje, é que esses
leitores divulgadores, que continuam a ser uma minoria, pejorativamente ditos
‘intelectuais’, deixaram de ser ouvidos fora da sua tribo. Quem não conhece
licenciados em direito e em economia que não lêem livros? A internet continua a leitura, mas impede-a também, que há leituras e leituras, livros e livros, os que se perdem são os 'difíceis'.
4. Carr explica, da sua própria experiência e de amigos e colegas da suageração, a do babys boom, que os hábitos de ler saltitando
na Net - a Google ganha dinheiro em publicidade a cada 'clic' que nós fazemos - lhes trouxeram a incapacidade de
ler um livro por inteiro e a dispersão ao fim da segunda página de leitura,
perderam o poder de se concentrar numa leitura seguida. Não sei quais serão as
incidências desta mutação de civilização, da marginalização dos intelectuais e
dos livros. É certo que eles podem conviver entre eles, lerem-se uns aos outros, mas há que dizer que também os interesses aqui são tão dispersos, que, apesar da Internet ser uma imensa facilitação, a coisa não está ganha sem mais.
5. A ‘superficialidade’ da recenseadora manifesta-se na maneira como termina: "se ele próprio conseguiu escrever 326 páginas sobre isso, talvez ainda haja esperança"; o que significa obviamente que saltou as três páginas perto do fim em que ele conta como, para redigir o livro, teve que, ao fim de alguns meses de fracasso, recorrer a medidas radicais: deixar Boston onde vivia bem conectado para as montanhas rochosas do Colorado, sem rede de telemóvel e com fraca Internet, largar as assinaturas dos Facebook e companhia, reduzir a consulta dos mails a uma só vez por dia e mesmo assim levou largos meses para se desintoxicar, até ser enfim de novo capaz de ler um texto científico sem divagar e de escrever horas a fio. E confessa que, uma vez acabado, reincidiu na doença.
5. A ‘superficialidade’ da recenseadora manifesta-se na maneira como termina: "se ele próprio conseguiu escrever 326 páginas sobre isso, talvez ainda haja esperança"; o que significa obviamente que saltou as três páginas perto do fim em que ele conta como, para redigir o livro, teve que, ao fim de alguns meses de fracasso, recorrer a medidas radicais: deixar Boston onde vivia bem conectado para as montanhas rochosas do Colorado, sem rede de telemóvel e com fraca Internet, largar as assinaturas dos Facebook e companhia, reduzir a consulta dos mails a uma só vez por dia e mesmo assim levou largos meses para se desintoxicar, até ser enfim de novo capaz de ler um texto científico sem divagar e de escrever horas a fio. E confessa que, uma vez acabado, reincidiu na doença.
6. Ou seja, o que resulta na prática deste
diagnóstico autobiográfico em forma de drama, como chamada importante de
atenção, é algo de parecido com as disciplinas de desintoxicação do álcool ou
drogas equivalentes: a Internet é para ser tomada com conta, peso e medida.
Para se ser intelectualmente capaz nas nossas actividades profissionais, temos
que ler livros habitualmente, uns mais, outros menos, mas a leitura de bons
livros é essencial à saúde intelectual. À gente nova, é de aconselhar também
terem ‘tutores culturais’ que ajudem a beneficiar dos tesouros culturais de
todo o género que hoje nos são postos à disposição nesta maravilhosa Teia, como
os professores nos ajudam a saber utilizar bibliotecas onde há muitos milhares
de livros.
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