sábado, 21 de junho de 2008

Sexo / género : que relação?

Isto foi publicado em
"Sexo e Género: que relação?", in Universidade de Verão, Actas, Em busca duma Pedagogia da Igualdade organizado pela C.I.D.M. e pelo Seminário Universitário de Educación no sexista (SUENS) da Univ. de Palencia (Valladolid), na Faculdade de Psicologia da Univ. de Lisboa, CIDM, 1995, pp.249-265






O surgimento explosivo da questão feminina
O género: um forte dispositivo social
Os quatro polos da questão
A bipolarização do sexo (homem/mulher)
A bipolarização do género (masculino/feminino)
A transformação actual do género





O surgimento explosivo da questão feminina

1. Foram as alterações espectacu­la­res do esta­tuto social das mulheres que fizeram surgir a questão do feminino, quer na ordem prática, quer na ordem teórica, nos últimos 30 a 40 anos.

2. Houve dois grandes tipos de causas para essas alterações. A primeira foi a entrada massiva das mulheres no mercado do trabalho, saindo elas de 'casa', aonde as funções fe­mininas tradicionais foram em grande parte esvaizadas (escolarização obrigatória das crianças; indústrias do 'pronto-a-vestir' e do 'pronto-a-comer', incluindo cantinas; electrodomésti­cos; saúde pública; etc.). Esse mercado de trabalho era fortemente masculinizado, com alguns sectores feminizados (enfermagem, magistério primário, creches, assistência social, etc), e ofereceu sobretudo empregos em certas indústrias (textil, cadeias de montagem de componentes electrónicas, etc.), em lugares admi­nistrativos (dactilógrafas, secretárias, etc.) e no ensino secundário. Os outros sectores resistiram mais à invasão feminina. O salário contribuiu para uma relativa autonomia financeira das mulheres em relação aos maridos e aos pais.

3. O outro factor foi o que se chamou revolução sexual, com a relativização do casamento e a fragilização da família: pílulas e outros meios de contra­cep­ção, permitindo forte autonomia (mormente feminina) da ac­tivi­dade sexual em relação à procriação; aumento do número de di­vórcios, como de casais não casados legalmente e do que se chama 'famílias monoparentais, as mães solteiras e as divorciadas com filhos; movimentos de homosexuais de ambos os sexos; maior protagonismo dos jovens e correlativa contestação da autoridade paterna; maior facilidade de relações sexuais pré- ou extra-conju­gais, etc. Qualquer des­tes factores resultou, por sua vez, do movimento mais largo de transformação da civilização in­dustrial.

4. As mulheres assumem-se assim como indivíduos na praça pública (com salário, profissão, direito a voto, relativa auto­nomia de decisão sobre a sua vida e a sua actividade sexual, etc.), o que até aí era praticamente reservado aos homens.

5. O movimento feminista - minoritário como organi­zação e militantismo, com algumas grandes manifestações públi­cas de massa nos inícios dos anos 70, mas com grande impacto junto das mulheres e dos homens - é o detonador e o porta-voz desta grande alteração do estatuto social das mulheres.

O género: um forte dispositivo social

6. Um provérbio, ainda hoje respeitado em muitas aldeias (exemplo de Pardais, no Alto Alentejo, estudado recentemente por Miguel Vale de Almeida), enuncia assim a tradição ocidental multissecular: "do homem a praça, da mulher a casa". Esta divisão tradicional do trabalho e da reprodução era assegu­rada por um forte dispositivo social de iniciação e de enquadra­mento das práti­cas e tarefas sociais, que 'forçava' os rapazes e os homens a serem mas­culinos e as raparigas e as mulheres a serem femininas, com dife­renciação nos modos de vestir e de se com­por­tar, de sentir e de pensar, com acesso diferente aos recursos ma­teriais e intelectuais da sociedade. É a este dispositivo social ex­tremamente forte que se chama género. Como ele tem uma grande inércia de reprodu­ção (é 'exterior', 'transcendente' às consciências de cada um/a), as alterações do estatuto social fe­minino vieram provocar um embate violento, nomeadamente nas mulheres que vêm ocupar um lugar masculino, pondo-lhes graves problemas de identidade: "quem sou eu, mulher num mundo masculino? como fazer para me fazer respeitar na minha nova autonomia?". Assim se acelerou a transformação do género, para o adaptar à nova situação de civilização.

7. É neste contexto que no campo da teoria irrompeu, a par­tir dos anos 60 mas sobretudo ao longo dos anos 70, os chama­dos Women's Studies (de origem americana), os estudos so­bre as mulheres e sobre o feminino: nas ciências sociais (antropologia, sociologia, história), na psicanálise (com crítica do modelo 'masculino' com que Freud interpretou a estruturação psíquica das mulheres, a célebre 'inveja do pénis'), na filosofia (pioneira francesa: Luce Irigaray), nos estudos linguísticos e lite­rários, mais recentemente também na biologia, mas com forte propensão in­terdisciplinar.

8. A grande tese que foi avançada consistiu justamente na distinção entre o género (feminino/masculino) e o sexo (mulher /homem), beneficiando da distinção (nomeadamente antropoló­gica, mas com uma muito antiga tradição filosófica) entre natu­reza, biologia, por um lado, e cultura, sociedade, psicologia, por outro. Mas o género apresenta-se historicamente, em todas as sociedades conhecidas, de forma não simétrica, como um dis­positivo hierárquico de dominação das mulheres pelos homens.

9. As primeiras formulações assentavam na ideia da per­manência do biológico, do sexo como um invariante, em contraste com a variablidade do género com as sociedades, quer as ditas 'primitivas' estudadas pela antropologia, quer as da longa sucessão histórica ocidental (sociedades grega e romana, cristandade medieval, Europa). Esta constatação adequava-se, sob a forma de uma evidência - quer da teoria, quer da experiência individual, quer da militância feminista -, à alteração acelerada do género na actualidade.

Os quatro polos da questão

10. O jogo entre estes poderá ser assim esquematizado:

MASCULINO --------------->    FEMININO (variável)   (?) (?)

HOMEM --------------->     MULHER (invariante)(?)   (cultural) (?) (natural) (?)

em que (?) assinalam as questões teóricas que interrogaremos e as setas ---> as que são, não apenas a questionar teoricamente, mas também a alterar social e politicamente. Essas setas indicam de facto a dupla ideologia - patriarcal (género) e ma­chista (sexo) - a qual pressupõe:
a) que a relação de sexo ou biológica é invariante, com o destino da mulher marcado pela maternidade (pela natureza);
b) que a relação de género resulta 'naturalmente' da relação de sexo, é pois também invariante.


A bipolarização do sexo (homem/mulher)
11. Analisaremos brevemente quatro pontos.

Do ponto de vista da ontogénese, ou seja da evolução biológica:
1) a) houve alterações substanciais dos primatas aos huma­nos, b) tendo os caracteres sexuais destes mudado nos últimos 100.000 anos;
2) nesta evolução, o sexo sofreu efeitos do género.

Do ponto de vista da morfogénese, ou seja da formação de cada humano:
3) o sexo não é pré-determinado exclusivamente pelos genes;
4) o sexo de cada um/a sofre efeitos também dos seus per­cursos singulares, nomeadamente a nível da economia libidinal, mas não só.

12. 1)
a)
Australopitecus ----> Homem de Neandertal ----> Homem moderno
(1 milhão anos)         (100.000 anos)                      (10.000 anos)
bacia:                        1/3 menor                              1/3 menor
crânio:                      400 cm3                                 1600±600 cm3 (4x)
altura:                       120 cm                                   170± 40 cm (1,5x)
gravidez: 21 meses   13 meses                                9 meses

O aumento do crânio e a diminuição da bacia obrigaram a que o parto passasse a ser de dorsal (primatas) a ventral, com o feto a dever fazer um duplo movimento de rotação e flexão e, en­fim, a uma muito maior prematuridade do nascimento do feto humano, propícia a um maior tempo de socialização do seu psi­quismo. A mulher tem assim um tempo maior de ligação às suas crianças (Peyre, Wiels, Fonton, 1991, pp. 34-37).

13. Outra alteração decisiva, embora já se verifique também com as fêmeas de algumas espécies primatas: não há cio na espé­cie humana, o que implica que os desejos sexuais das mulheres estão desligados dos periodos de fecundação (ovulação), estes nem sequer sendo assinalados exteriormente. Também resulta da gravidez ser por regra de um só bébé, do seu tempo de matura­ção ser muito mais longo e do elevado índice de mortalidade in­fantil (e até das parturientes), que a espécie humana é re­lativamente infértil (P. Tabet, 1985).

14. b) O diagnóstico do sexo de esqueletos humanos do pe­riodo neolítico (Peyre, etc., pp. 38-42) - com grandes diferenças entre populações da mesma época, situadas a cerca de 1000 km de distância: o esqueleto dum homem da Normandia é equiva­lente ao duma mulher da Renânia - é fácil de fazer para os 'extremos' feminino e masculino, mas difícil para o 'continuum' entre ambos, que corresponde a um bom terço da população, o que dá que apenas 70% desta tem "sexo determinável', "cada su­jeito [tendo] uma percentagem relativa de feminidade e de mas­cu­linidade. [...] Convém emitir a hipótese de que o sexo não in­fluen­cia a morfologia dos ossos por um determinismo simples" (idem, p. 40).

15. 2) O 'continuum' dos esqueletos neolíticos, quando com­parado com os Brancos americanos actuais, segundo duas variá­veis da bacia, leva a que todos esses esqueletos seriam 'femininos' segundo uma delas e todos 'masculinos' segundo a outra. Por outro lado, comparando também com os Negros ameri­canos actuais, verifica-se que, quer as mulheres negras, quer as neolíticas, estão mais perto dos homens respectivos do que as brancas dos seus. "Seria assim um facto sócio-cultural [de gé­nero, pois] intervindo na Europa após o Neolítico e dizendo res­peito ex­clusivamente às mulheres que teria modificado um carác­ter bio­lógico" (idem, p. 41). Trata-se aqui de hipó­teses de interpretação científica.

16. 3) São os pares de cromossomas XX que dirigem a for­mação das características sexuais das mulheres (vagina, ovários, etc.) e os pares XY que dirigem as dos homens (pénis, testículos, etc.), nestas características se contando também a maior altura, robustez física, voz mais grossa, da parte dos homens. Ora bem, até às 6 ou 7 semanas do feto, as gónadas sexuais são indiferen­ciadas (só após elas evoluirão para ovários ou testículos, secre­tando estrogénio e progesterona - hormonas femininas - e testos­terona - hormona masculina, respectivamente; mas estas hormo­nas também ac­tuam no cérebro (na sua constituição e no seu funcionamento), podendo, graças à presença de uma enzima, a hormona masculina trans­formar-se na feminina (Vincent, p. 262); numa questão muito complexa, digamos que cada sexo secreta percentagens maiores das respectivas hormonas, tratando-se as­sim de dominâncias tendenciais. À questão de saber o que é que determina essa evolução, as autoras, após evocarem algumas tentativas sem su­cesso, dizem que essa evolução é "verosimilmente resultado duma sucessão de numerosos aconte­cimentos agindo de maneira coor­denada e regulando-se mutua­mente" (Peyre, etc., p. 33). Haverá pois aleatório nesta evolução. Ora, pelo menos 6/1000 indivíduos (o que daria 60 mil na popu­lação portuguesa, por exemplo) não são XX nem XY, dos quais 50 num milhão são homens normais com XX e 30 num milhão hema­froditas com XX, havendo ainda, sem indicação de números, mu­lheres XY (idem, pp. 30-31).

17. O que significa que o sexo de cada um/a não é pré­determinado biologicamente exclusivamente pelos genes, mas depende também do jogo hormonal. Este jogo implica uma parte de aleatório no percurso de cada um, nomeadamente as secreções do hipotálamo (paleo-cor­tex) estando ligadas ao que sucede no neo-cortex, o qual, por sua vez, joga intrinsecamente com os factores ambientais ou sócio-culturais (e portanto com o género).

18. 4) É esta articulação entre a determinação genética e os efeitos, parcialmente aleatórios e dependentes, via hormonas, do género e dos percursos singulares de cada um no seio da família, etc., que permite perceber que nós somos todos, biológica e psico­logicamente, diferentes uns dos outros, embora com um pro­grama genético que é quase totalmente igual em todos os huma­nos (uma parte muito pequena dizendo respeito a diferenças bio-etnológicas, tipo raça e outras). O que implica também que a nossa 'biologia' se altere durante o crescimento, com os modos de vida, com acontecimentos traumáticos de vária índole, etc. Por exemplo: toda a gente que frequentou o liceu, adquiriu a capaci­dade de estar durante horas a fio sentada a uma mesa a ler, es­crever, fazer cálculos ou desenhos, que foi regulada pela disci­plina escolar (jogando sobre hormonas e criando hábitos), capaci­dade essa que a esmagadora maioria da humanidade passada nunca teve. Se se tem em conta que ser mais magro ou mais gordo, peludo, imberbe ou careca, forte ou fraco muscularmente, e por aí fora, tam­bém são diferenças 'biológicas' (que também têm a ver com os genes, mas não exclusivamente), percebe-se que a diferença biologia / psicologia-cultura (e por­tanto sexo / género) não é uma oposição essencial, mas uma articula­ção com efeitos recíprocos, em que determina­ção e alea­tório jo­gam indissociavelmente. Isto é, sendo embora a distinção ho­mem / mulher a mais óbvia (a pergunta "é menino ou menina?" tem em geral resposta clara), não é possível estabelecer catego­rias herméticas entre homens e mulheres a nível biológico; este não é rigorosamente pré-determinado, mas contém uma parte de aleatório na complexidade de factores que intervêm na constitui­ção de cada humano. Somos homens com parte de mu­lher (os mamilos, por exemplo, o atestam) e mulheres com parte de ho­mem, a repartição variando caso por caso, a regra estatística sendo que um dos polos se torne dominante.

19. Se dermos atenção às economias libidinais de cada um/a, tal como a psicanálise nos ajuda a entendê-las, a mesma constatação duma bisexualidade primária de todos os humanos se impõe. Aqui está-se numa zona em que mais cla­ramente a oposi­ção biologia / psiquismo (sexo/género) é inade­quada, já que são as energias sexuais, sempre excessivas em todas as espécies, que são culturalmente sublimadas. A po­limorfia das pulsões se­xuais, sujeitas ao que Freud chamou "princípio do prazer", parece ser a razão que levou o género pa­triarcal a tornar-se sobrema­neira rígido ("princípio de realidade"), a forçar essa sublimação no sentido heterosexual. Como os que são chamados homose­xuais foram vítimas de tal rigidez ao longo da história, podemos ter uma pálida ideia através do so­frimento dos que hoje têm bus­cado afirmar essa sua diferença, essas suas diferenças melhor dito, já que também se não trata de categorias estanques e es­senciais (sem mudarem nem de sexo nem de género: continuam homens masculinos ou mulheres fe­mininas), mas de percursos singulares libidinais diferentes, em transgressão da norma da adequação sexo-género dominante. Como atesta o facto de haver muitos ca­sos de hete­rosexuais (com filhos inclusive) que se tor­nam homo­sexuais, bem como de pes­soas que são as duas coisas, homo ou heterosexuais, consoante o sexo da pessoa que amam. Todos so­mos pois primaria­mente bisexuais e é a partir desta bise­xualidade que uma sexualidade tende a estabili­zar-se, preva­lecendo sobre a poli­morfia por factores em que o aleatório tem relevância grande (trate-se de 'biologia', de 'género' ou da singu­laridade dos percur­sos respectivos).

20. Sejam alguns casos mais atípicos da repartição desta bi­sexualidade. Estéreis (5 a 15% dos casais): são 'heterosexuais' incapazes de reprodução procriadora. Transexuais (parte dos tais 6/1000): com alguma 'falha' na questão XX/XY, sem diferen­ciação completa entre os órgãos sexuais, podem mudar de sexo e de género (sendo em regra estéreis), querendo ser hetero-sexuais e hetero-género. Travestis: não mudam de sexo, mas de género (homo-género).

A bipolarização do género (masculino/feminino)
21. O casamento sendo estrutura decisiva de todas as sociedades conhecidas, parece óbvio que seja ele o factor que crista­liza a bipolarização do género, como dispositivo que distri­bui os homens / mulheres de cada sociedade pelas tarefas e práti­cas que esse dispositivo define como masculinas e femininas. Segundo a tese de Lévi-Strauss em Structures élémentaires de la parenté (P.U.F., 1948), o tecido social constitui-se pelas alianças de casamento entre linhagens, em geral pa­trilineares, que entre si trocam as suas filhas (ou irmãs), segundo regras mais ou menos estritas (segundo lógicas não conscientes, que o autor restituiu de forma brilhante), as quais constituem tam­bém, simultâneamente, as próprias linhagens como estrutura do tecido social. Essas regras postulam sempre (universalmente) o interdito do incesto (entre os homens e as respectivas fi­lhas, irmãs e mães sempre, algumas outras parentes próximas consoante) e a exogamia das raparigas, que vão pois casar noutra linhagem (a que são 'estranhas'). Existência de linhagens e casamentos, interdito do incesto e exogamia, bem como o respec­tivo dispositivo do género, são fenómenos sociais, são a ossa­tura essencial de cada sociedade que garante a sua reprodu­ção enquanto tal de geração em geração, em vez de ser constituída por 'ilhas familiares'.

22. Esta ossatura enxerta-se na diferença sexual entre ho­mens e mulheres, a qual, por sua vez, é a condição (em qualquer espécie complexa, vegetais ou animais, com macho e fêmea e com morte dos indivíduos), da reprodução da es­pécie de geração em geração. Se se tem em conta, como vimos, a relativa infertilidade da espécie humana e a também relativa polimorfia biológica (e libidinal) dos sexos, percebe-se que não houve até hoje reprodução da espécie humana dissociável da reprodução das sociedades em que ela se organiza. Já Aristóteles definiu os humanos como "animais sociais" e "animais com linguagem" (ou cultura), isto é, biologia (sexo) e sociedade-cultura (género) são indissociáveis, não podem ser opostos (também Lévi-Strauss co­locou o interdito do incesto como escapando a esta oposição tra­dicional). Na situação actual de acelerada transformação do gé­nero, temos pois que analisar esta questão: quais os limites desta transformação? Como jogam os interesses e desejos dos indiví­duos, face aos das sociedades e da espécie? Como foi esse jogo no passado?

23. O mínimo que se pode dizer é que ele não foi meigo para as mulheres. P. Tabet (1985) defende que, diante da relativa in­fertilidade da espécie humana (§ 13), todas as sociedades tiveram que forçar as mulheres a exporem-se o mais possível ao coito e ao risco consequente da gravidez (sem saberem em que alturas ela é possível, sabemos hoje que num periodo mensal sempre muito curto, no máximo de 48 horas): o casamento é a instituição que provoca essa exposição. O dossier que a autora apresenta é catastrófico, de tal forma é grande a violên­cia a que os homens (maridos e pais, por vezes também com a cumplicidade de outras mulheres da linhagem do marido) sujei­tam as mulheres que se revoltam diante desse destino. Esta vio­lência é aliás a confirma­ção mais cabal da polimorfia do sexo biológico e dos desejos se­xuais (hetero ou homosexuais). Há que dizer que há casos fre­quentes descritos por antropólogos em que sociedades tribais abrem lugares para homosexuais e outros do sexo masculino, da mesma maneira que o divórcio, a poligamia e até a poliandria são por vezes instituidos.

24. Limitemo-nos agora às sociedades da civilização ociden­tal. Estas são pa­triarcais, como todas as sociedades de classes e Estado (com agricultura, criação de gado, classe guerreira e monarquia): a sua base é a casa, que é simultanea­mente unidade de pa­rentesco e unidade econó­mica (em geral, à base de agri­cultura e de gado). O género insti­tui simultâneamente a divisão sexual de reprodução (homens destinados a serem pais e mulhe­res a serem mães) e a divisão social e sexual do trabalho (tarefas guerreiras, políticas, religiosas e de trabalhos fisicamente mais duros para os homens; tarefas domésticas, a ver com a reprodu­ção dos corpos e seu sustento, para as mulheres). Enquanto que a divisão social do trabalho co­nhece outras formas também de se­paração entre classes sociais (escravos, servos feudais, etc.), em resultado, quer de vitórias na guerra, quer de outras formas em que o poder das armas perma­nece decisivo, sacramentado ou não com formas religiosas. Ora bem, ainda aqui parece que factores biológicos (maior estatura e força física dos homens) são condição desta maneira de se organi­zar a sociedade e o género, já que a guerra é a condição essencial destas sociedades, as classes guerreiras procu­rando sempre acrescentar os seus domí­nios e devendo sempre defendê-los da cobiça de outras.

25. Atendamos agora a alguns aspectos específicos do polo masculino do género patriarcal. Luce Irigaray (1974, 1977, ver Belo, 1987, § 42, com alguns extractos dessa filósofa) mostrou como a filosofia greco-ocidental se estruturou de forma patriarcal, com o primado do um-uno, do centrado, do visível, do sólido (como o phallus masculino erecto), sobre o duplo (os dois lábios da va­gina), o plural e o disseminado (erotismo no corpo feminino), o 'sem-nada-para-ver' (buraco vaginal, caverna), o húmido e fluido do sexo feminino. Pode-se acrescentar que, em concordância com o lugar público do homem e o lugar caseiro da mulher (a casa sendo também o lugar do trabalho agrícola e pecuário sobre a 'natureza'), ao homem foi atribuida a razão discursiva política (o logos, que discute na ágora), o inteligível, a abstração, a alma (platónica), e à mulher a relação à natureza, ao sensível, ao corpo. Mas também a medicina de Hipócrates: a mulher é aí definida pela maternidade, pelas mênstruas impuras e pelos humores instáveis (ligados à 'mobilidade' do útero, para cima e para baixo) (Teresa Joaquim, Menina e Moça).

26. Na Idade Média cristã, o dispositivo masculino parece ter duas formas complementares. Uma, clerical e celibatária (retirando pois o homem da casa, o que continuará a ser domi­nante até ao sec. XVIII, mesmo para filósofos, sábios e artistas não-clérigos, necessitando de mecenatos para se dedicarem à sua obra), 'penetra' a linguagem e dissocia-a: para o masculino, a lin­guagem do poder, sob a forma de leis, cânones, dog­mas, dis­cursos eclesiásticos e universitários, etc., linguagens visí­veis, públicas, perenes, imperativas, coercitivas, executivas (no duplo sentido do termo, governando e matando em fogueiras he­reges e feiticeiras), fixas, operatórias, escrevíveis, formais (no sentido de 'com-uma-única-forma'); para o feminino, a lin­guagem imprecisa, vaga, sem princípio nem fim (sem coe­rência), taga­rela, frívola, fútil, imaginativa, arbitrária, efémera, não-escrevível (mesmo as místicas terão dificuldades em escre­ver), etc. Linguagem sem corpo versus linguagem do corpo, em suma. A outra forma é guerreira e assume o corpo do homem como força e destreza muscular: na guerra, nos torneios, na caça, nos vários ofícios mais duros. O corpo do homem funciona aí como 'inteiriçado', à ma­neira das enormes armaduras militares, sem brechas internas e duma só peça, o corpo todo 'erecto' contra o que lhe é adverso. Duas formas que se completam: força da lei, lei da força.

27. A emergência de uma terceira forma do dispositivo masculino que vem acrescentar-se às duas medievais dá-se com o nascimento da Física matemática e ciências congéneres. Ela manifesta-se filsoficamente no célebre Cogito cartesiano e na es­pantosa 'ficção' que o segue no 4º capítulo do Discurso do Método: "depois, examinando com atenção o que eu era, e vendo que po­dia fingir que não tinha nenhum corpo, e que não tinha nenhum mundo, nem nenhum lugar onde eu fosse; mas que não podia fingir, para isso, que eu não existia; e que pelo contrário, disso mesmo que eu pensava em duvidar da verdade das outras coisas, seguia-se muito evidentemente e muito certamente que eu exis­tia; em vez de que, se eu tivesse somente cessado de pensar, ainda que tudo o resto do que eu tinha jamais imaginado, fosse verdadeiro, eu não tinha nenhuma razão de crer que eu tivesse existido [...]". Espantosa, não apenas porque ficção, fingimento, imaginário, isto é, coisas 'femininas' (note-se que 'imaginar o que fosse verdadeiro', como as mulheres são supostas fazer, não ga­rante a existência de que o faz) em que masculino se promove, mas também pelo seu portentoso alcance profético: a racionali­dade de tipo matemático e científico tornar-se-á lentamente do­minante no polo político das sociedades ocidentais e inscrever-se-á no dis­positivo masculino duma razão que finge não ter corpo, a razão dos físicos e dos químicos, dos engenheiros e dos economis­tas, dos médicos e de todos os técnicos que, enquanto tais, en­quanto em tal razão, não têm corpo próprio, seu operar permi­tindo no en­tanto transformar corpos, mundos e lugares, como hoje se vê, por via das máquinas e suas energias não-humanas. Homens de ra­zão-sem-corpo alçaram-se assim ao poder, domi­nantes até à náu­sea, enquanto um corpo armado de exércitos e polícias, comple­mento corporal da razão sem corpo, se encarre­gam de pôr na or­dem os corpos desordenados que porventura agitem as ruas.

28. Dos corpos, já se sabe, cuidavam as mulheres que os pa­riam. Excluidas secularmente da praça pública pelo dispositivo masculino, entregavam-se ao concreto, desenvolvendo uma ló­gica do cuidado (Teresa Joaquim): à base do gosto estético da casa e dos corpos, do saber cuidar dos pormenores, das crian­ças, dos doentes, das culinárias, da higiene, das roupas, tudo mundos rebeldes à razão masculina dominante e à sua homoge­neização unidimensional. O cristianismo contribuíra para remode­lar o dis­positivo feminino também, com o privilégio da materni­dade e da virgindade (a que se obrigavam, querendo-o ou não, as mulheres que da casa não queriam ou não conseguiam) tutelado pela figura da Virgem-Mãe, em contraponto com a cortesã, tam­bém deixada da casa para o serviço extra-conjugal dos prazeres machistas, a figura de Eva marcando as mulheres rebeldes à norma com o es­tigma das 'tentadoras' (Teresa Joaquim, Menina e Moça). À vio­lência física que força as mulheres à reprodução heterosexual, acrescenta-se a violência ideológica que faz a mulher duvidar dos seus próprios desejos, reprimir de forma 'interiorizada' a sua po­limorfia (estes §§ 25-28 são citações de Belo, 1983).

29. Exclusão e repressão ainda de todas as veleidades inte­lectuais e artísticas por parte de qualquer mulher, estigmatizada desde os Gregos pelo que seria a sua incapacidade radical de abstração, de sublimação estética. O que hoje, à vista do leque imenso de mulheres intelectuais e artistas, não pode deixar de provocar grande espanto. Fica em aberto a questão de saber, como algumas defendem e outras contestam, se há uma 'escrita feminina', ou maneiras femininas de pintar, fazer música ou rea­lizar cinema.

30. Se mosteiros e conventos são, até ao sec. XIII, sem re­pressão oficial e doutrinal, lugares de possível cultivo de afectos homosexuais, estes tornar-se-ão também razão de sofrimento para os homens cuja economia libidinal escape ao género domi­nante. Mesmo os que se dão à arte e à poesia, cuja 'lógica do cui­dado' os feminizava também, segregando-os numa certa margina­lidade que os confinava parcialmente ao feminino do dispositivo: a linguagem enquanto significante-corpo, letra-material em seu jogo rítmico, não domesticada pelo significado da verdade univer­sal, escrita que se impõe ao oral, por assim dizer (Platão, no Fedro, liga a tinta 'líquida' ao pharmakon, droga, remédio, ve­neno, mortal), linguagem pois de sensação, de imaginação e de corpo, sujeita também à mesma lei de exclusão filosófica que a oferecia de bandeja ao dispositivo feminino. Vê-se pois que muitas mulheres, homens também uns tantos, sofreram, na carne, nos desejos, nas aspirações mais fundas, a rigidez do género patriarcal: ou na resignação, ou pagando cara a rebeldia ao impe­rativo im­peria­lista da reprodução heterosexual da espécie-sociedade. Mas en­tre estas duas atitudes extremas, os provérbios parecem atestar que de preferência as mulheres usaram de manha.

A transformação actual do género
31. Recapitulemos, voltando ao esquema do § 10. A varia­ção da bipolarização do sexo foi argumentada, tanto quanto a biologia ainda se buscando o permite, através da bise­xualidade primária de cada humano, cada um com parte de ho­mem e parte de mulher, num 'continuum' em que os extremos se afirmam melhor, mas cujos lugares medianos atestam o aleatório do processo de constituição 'biológica' de cada sexo, o que a va­riabilidade ainda maior de economias libidinais confirma, e já a força esmagadora dos imperativos de adequação à norma da he­terosexualidade procriadora dizia como sintoma, como sofrimento de tantas e de tantos. Essa mesma variabilidade, que impede de aceitar que 'homem' e 'mulher' sejam categorias essenciais ou oposições exclusivas, que haja um 'nível biológico' taxativamente determinista e isolável, também questiona que 'masculino' seja sobreponível sem mais a 'homem' e 'feminino' a 'mulher' ("já fui barco, já fui navio / já fui chalupa e escaler / já fui moço, já sou homem / só me falta ser mulher", cantava, sem temer o ápodo de 'maricas', Zeca Afonso). E enfim, o carácter 'cultural' do homem-masculino e o carácter 'natural' da mulher-feminina revelou-se também ser uma elaboração cultural e histórica do dispositivo patriarcal ocidental, apoiado em suas filosofias e me­dicinas. Resta-nos indagar do futuro das setas da dominação desse dis­positivo, do horizonte da transformação acelerada que este está conhecendo.

32. Nem o movimento feminista, nem o movimento 'gay', nem a 'revolução sexual', se justificam por si mesmos. Eles avan­çaram pelo caminho que lhes foi aberto pelos dois grandes fenó­menos que assinalámos nos §§ 2-3, correlativos entre si, mas am­bos também consequência última da grande revolução da civiliza­ção ocidental, a saber: a substituição das casas de antanho, uni­dades simultaneamente de parentesco e de economia (§ 24), pelo que se pode chamar genericamente instituições (desde as empresas industriais, comerciais, financeiras, jornalísticas, etc., às do Estado) como espaços de emprego e salário para (quase) toda a população activa, espaços esses separados como regra dos novos espaços do parentesco, os apartamentos em prédios onde moram as famílias, reduzidas estas às funções de re­produ­ção (procriação e sustento no consumo quotidiano). Este alija­mento das funções de produção económica é a fragilização da família, foi ele que permitiu a entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho que precisou delas, como também provocou a relativização do casamento. Este deixou de ser a ossatura do te­cido social (§ 20), substituído pelo próprio tecido das instituições económicas e pelo correlativo mercado (onde hoje se dão as crises sociais).

33. O que, para as sociedades ocidentais mais evoluidas, funcionou bastante bem durante os anos 50-70, digamos, período de grande expansão tecnológica e económica, justamente o pe­riodo de incubação e manifestação em força dos movimentos de militantes feministas e 'gays', como da 'revolução sexual'. Mas a década de 80 e o que já passou da de 90 trouxeram o desen­canto das crises e apagaram as fraternidades e sororidades exaltantes dos tempos idos. O desemprego alastra, devido em boa parte às novas tecnologias electrónicas economizando força de trabalho, ameaçando as fragilizadas famílias em seus apartamen­tos e magros orçamentos de consumo, atingindo sobretudo as mulheres e feminizando uma boa parte da nova pobreza destas opulentas sociedades. As finanças dos mecanismos de segurança social e de pensões de reforma estão em falência, anunciando futuros sombrios a pedir solidariedades difíceis em tempos de individualismo exarcebado. A liberdade sexual, tão dificilmente ganha, é ameaçada por uma epidemia nova diante da qual a me­dicina está desarmada. 'Last but not the least', o desmoronar do género patriarcal não é de certo o menor factor do que se chama 'crise de valores': de crenças éticas e de crenças no futuro, que as religiosas já antes tinham definhado. Para não falar das ameaças ecológicas, das crises económicas e políticas dos países libertados do comunismo soviético, da fome de tantos países sem saída à vista no dito Terceiro Mundo. É este o contexto em que temos que pensar os horizontes da transformação actual do género: eles não são propícios ao optimismo.

34. Sobretudo talvez para as mulheres, se for verdade que estas sempre resistiram melhor em épocas de catástrofes, ou seja, sempre pagaram o maior preço, quando os homens deixam cair os braços nos desânimos, bebedeiras e outras drogas e suicídios. De qualquer forma, estamos todos no mesmo barco, como se diz, e a questão que me parece se pôr é a de saber se o acesso massivo das mulheres ao mercado e à praça pública poderá dar alguma esperança a estes tem­pos difíceis que atravessamos.

35. Não creio, como por exemplo defende Christine Delphy, que tenha sentido "imaginar o não-género" (p. 100), isto é, o de­saparecimento das 'categorias' masculinas e femininas. Uma tal tese implica, por um lado, que estas não tenham nada a ver com a di­ferença (e não oposição) entre homem e mulher (posição filosó­fica contrária é a de Luce Irigaray, mas há que dizer que a litera­tura feminista teórica recente, ao menos de língua francesa, a ig­nora totalmente); por outro, que as sociedades se atomizem em indivíduos todos diferentes e que as questões de procriação e de busca do prazer erótico além da procriação (que é um dos grandes bens que se adquiriram nas últimas décadas) não tenham nenhuma incidência no plano social ou cultural. Ou seja, esta tese separa e opõe ainda sexo e género, como aqui se tentou evitar. Julgo mais correcto pensar, como, segundo me parece (que o não pude ler todo), sugere Miguel Vale de Almeida que é já o que se passa em Pardais e a fortiori nas grandes cidades, que o género tende a multiplicar-se em formas mais ou menos dife­renciadas de mas­culinos e de femininos, com a correlativa perca de hegemonia do modelo pa­triarcal e machista. Este pode aliás sobreviver muito mais acentuadamente, se se atender, por exemplo, aos modelos que aos rapazes oferecem os filmes violentos e os desportos de massa e de alta competição (onde a mixagem de sexos está ainda por se manifestar), e as mulheres (e os homens, porventura) que com tais machistas se queiram relacionar terão que ter muita arte, muita manha, para os modificar.

36. A questão de fundo seria esta: numa civilização forte­mente racionalista, isto é, masculina no sentido pejorativo da pa­lavra, que poderão as mulheres fazer, a partir da sua 'tradicional' lógica do cuidado (§ 28), para ajudar à sua transfor­mação, se for verdade que elas se sentem ameaçadas na sua identidade pela racionalidade desse mundo de instituições a que acederam (§ 6)? Pense-se nas questões ecológicas, por um lado, na das relações competitivas de mais adentro das instituições, no 'stress' que elas provocam e a todos ameaça, por outro. Não se trata apenas de 'relações humanas' a melhorar, mas também de tarefas de teoria e de estratégia (institucional, mercantil, política, urbana, etc.), de reelaboração das racionalidades estabelecidas, de abrir nelas, de forma fecunda a todos os níveis, lugar para as so­lidariedades, os afectos, a convivialidade. Não há que sermos in­génuos: as mulhe­res têm ainda, por regra, muitos obstáculos a vencer em seus percursos singulares para ganharem os seus lugares, estão sujei­tas, como os homens, ao individualismo domi­nante, poderá não lhes sobrar energia para tais tarefas quase im­possíveis, difíceis de articular em discurso, de propor a outrem de forma convincente.

37. Entre as raras utopias que têm aparecido, relevo a de o desemprego actual, provavelmente estrutural e não conjuntural, obrigar a uma redução mais ou menos drástica dos horários de trabalho para que os empregos cheguem para todos, com a con­sequência de aparecer uma nova tarefa de civilização: a criação de novos espaços de convivialidade social e cultural nos tempos livres acrescidos (André Gorz, Ivan Illich), uma nova polis (Hannah Arendt), espaços esses que permitiriam conter o peso excessivo da eco­nomia e do seu dis­curso nas vidas e nos fazeres das gentes. Esses espaços, na pro­posta do economista Gorz, seriam mais fru­gais, com menos con­sumismo e desperdícios, compensando as even­tuais quebras de salários. Também aí parece haver um lugar em que a 'lógica do cuidado' das mulheres (e de homens também) poderá ter empenhos deci­sivos. Digamos que se trataria de pro­por os 'novos valores' que permitirão aos nossos descendentes encontrarem motivações para viverem numa terra mais pacifi­cada. Mas as novas gerações de raparigas não são formadas já em ruptura com essa tradição feminina que tornou humanas as casas de antanho? Quem saberá dizer? Quem ousará a esperança?




Bibliografia citada

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Delphy, Christine, "Penser le genre: quels problèmes?", in Marie-Claude Hurtig, Michèle Kail, Hélène Rouch (org.), Sexe et genre. De la hiérarchie entre les sexes, C.N.R.S., Paris, 1991, pp. 89-101
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